por Paulo Andrade

No dia 07 de Janeiro de 1844, nasceu em Lourdes, na França, Marie Bernard Soubirous, aquela que, mais tarde, seria canonizada como Santa Bernadette Soubirous. Filha do Sr. Francisco Soubirous e de sua esposa Luisa Castèrot, Bernadette foi a primeira de nove filhos do casal. A família sempre passou por grandes dificuldades financeiras (viveram no moinho de Boly, onde ela nasceu, durante os primeiros dez anos de vida de Bernadette) e, depois, mudaram-se para Lourdes onde grandes foram seus padecimentos, tendo que viver, todos, num único cômodo que, segundo contam, “era mais um buraco infecto e insalubre” do que propriamente uma residência.

Desde pequena, Bernadette teve a saúde debilitada: foi acometida de cólera nos primeiros anos de vida e adquiriu asma aos dez anos. Tinha dificuldades de aprendizagem e não freqüentou a escola até os quatorze anos, mantendo-se estritamente analfabeta até esta idade.

No dia 11 de fevereiro de 1958, ainda em Lourdes  (uma cidade com pouco mais de 4.000 habitantes), Bernadette, uma irmã e uma amiga estavam próximas ao Rio Gave. Enquanto as outras duas se distraíam a catar gravetos e brincar, Bernadette fica para trás, próxima à margem do rio, de onde podia se ver a gruta Massabielle, que quer dizer pedra ou rocha velha. Em dado momento, ela ouve um barulho qual um sussurro, olha para as árvores e elas não se moviam. Ao olhar para a gruta, divisa uma senhora vestida num belo vestido branco, com uma cinta brilhante na cintura, segurando um rosário, e, no topo de cada pé, uma rosa pálida, da cor das contas do rosário. Sua atitude de reverência para com aquela Senhora foi instantânea, seu desejo de fazer o sinal da cruz (era católica devota) era sincero e natural, mas, por algum motivo, não conseguia mover-se e suas mãos permaneciam para baixo. Somente quando a Senhora fez o sinal da cruz é que ela, ao tentar de novo, o conseguiu, embora suas mãos tremessem. Sentiu um ímpeto de rezar o rosário, assim o fazendo. A Senhora ia dedilhando as contas à medida que ela rezava; finda a oração da Ave Maria, a Senhora desaparece. Sensibilizada, Bernadette pergunta às duas companheiras se haviam visto ou notado alguma coisa, porém nenhuma delas percebeu qualquer coisa.

No domingo seguinte, Bernadette retorna à gruta seguindo um chamado interno, mas é somente quando retorna pela terceira vez que a Senhora lhe reaparece, pedindo-lhe que ali retornasse a cada 15 dias. Foram um total de dezoito aparições, e, durante o período em que elas duraram, Bernadette passou por muitas dificuldades, sendo tomada como tola e doente, vendo coisas onde não existiam. No entanto, um dos pedidos daquela Senhora foi para que os padres se ajuntassem ali e lhe construíssem uma capela, onde pudessem rezar o terço e orar pela conversão dos pecadores. Numa das aparições, a Senhora pede a Bernadette que tome de beber da água da fonte e ela, mui ingenuamente, vai até o rio, quando a Senhora a faz perceber que falava de um pequeno veio de água que partia da caverna. Como não havia água suficiente para encher as mãos, Bernadette decide cavar o lugar com as mãos fazendo brotar uma fonte de água suficiente para saciar-se.

Em sua fé, Bernadette buscou o apoio do pároco de sua cidade. Para não ser indelicado com Bernadette, apesar de não compactuar com as visões que ela dizia ter, pediu-lhe que, da próxima vez que falasse com aquela Senhora, ela lhe dissesse Seu nome. Bernadette sentiu uma ponta de esperança roçar seu coração e a lhe dizer que aquela era a oportunidade que esperava para fazer valer as palavras daquela senhora a quem já amava do fundo de sua alma. Ao retornar ao padre, este espantou-se com a afirmação de Bernadette de que a Senhora se intitulava: A Imaculada Conceição. O título era deveras significativo para passar desapercebido, principalmente porque, desde o século catorze, a Igreja debatia o dogma da Imaculada Conceição da Virgem, que dizia respeito se, assim como Jesus, Maria também foi concebida imaculada. A partir daquele momento, Padre Peyramale se tornou o maior benfeitor de Bernadette, acompanhando-lhe, inclusive, a todas as outras aparições da Virgem, que já dava sinais de bênçãos e milagres na gruta de Massabielle. Muitas foram as investidas contra as afirmações de Bernadette quanto a veracidade das aparições da Virgem. Porém, sua veemência, determinação e coragem, suplantavam a astúcia de seus detratores e acusadores, mesmo sendo uma adolescente. Provando, com fé e atitudes, a autenticidade, não só das aparições, como do amor de nossa Mãe Santíssima pela humanidade, em Seu pedido constante de orações para conversão dos pecadores.

Apesar de sua devoção ao Sagrado Coração de Maria, Bernadette, que sofria padecimentos físicos desde sua meninice, recebeu da Virgem apenas uma afirmação à sua pessoa: “Não prometo fazê-la feliz neste mundo, somente no outro”. A água da fonte que a tantos curou, não dirimiu a dor e o sofrimento de seu corpo. Apenas sua alma gozava de um sentimento de proteção, amor e fé incompreensíveis para aqueles que lhe buscavam alento na figura da Mãe adorada.

Um episódio que merece referência é o do filho do imperador Napoleão III. O casal  imperial encontrava-se em sua residência de verão, em Biarritz, a apenas 150 quilômetros de Lourdes, quando seu filho foi acometido de perigosa insolação acompanhada de uma ameaça de meningite. Por ordem da imperatriz, a preceptora do menino foi enviada a Lourdes para falar com o pároco e depois com Bernadette. Um galão de água foi, então, retirado da fonte e levado para banhar o infante que, pouco depois, curou-se da ameaça que lhe sombreava. Foi graças a este episódio que o local foi definitivamente aberto ao público, por ordem do imperador, e uma capela foi ali construída em homenagem a Maria Santíssima.

Após as aparições, quando contava dezesseis anos, e com uma certa tristeza, Bernadette foi conduzida ao Convento das Irmãs de Nevers, ainda ignorante qual uma pequena criança. Lá, recebeu muitos inquiridores e investigadores, tendo que repetir a história das aparições inúmeras vezes, o que a cansava demasiadamente, pois achava que já tinha contado o suficiente.

Ainda no convento, muitos relatos de cura foram registrados. Como o de uma mãe que trouxe a filha que não andava por causa de uma enfermidade. Enquanto falava com a mãe, a Madre Superiora pediu a Bernadette que segurasse a criança e que não a pusesse no chão. Pouco tempo depois, encontrou-a chorando, pois a criança debatia-se de tal forma em seus braços que ela se viu forçada a pô-la no chão, onde a mesma corria e brincava sorridente ao seu redor.

Os sofrimentos físicos de Bernadette nunca cessaram. Na primavera de 1862, os ataques de asma se tornaram intensos, ocasionando-lhe séria inflamação nos dois pulmões. Já quando recebia a unção dos enfermos, Bernadette abre os olhos e pede que se lhe dê de beber da água da fonte. Assim foi feito, cessando a crise e a inflamação. Mais tarde foi transferida para a sede da ordem na cidade de Nevers, onde permaneceu, sempre devota e dedicada, de coração aberto à fé e ao amor daquela Senhora que lhe encheu os olhos do corpo e da alma no inverno de 1858.
Irmã Marie Bernard, como era conhecida na ordem, ali permaneceu, segundo alguns, humilde e obscura, procurando não chamar qualquer atenção para si, vivendo somente para sua fé. Desencarna em 16 de Abril de 1879, aos 35 anos de idade, sentada em sua cadeira costumeira, onde permanecia a maior parte do tempo, devido à doença que lhe debilitava o corpo, enquanto fazia suas orações a Virgem Maria, aquela Senhora que se instalou em seu coração, para, dali, fazer brotar, também, o amor pelos seus irmãos em humanidade, destacando-lhe as virtudes de Santa que era para maior bem promover em Seu nome.

Seu corpo foi sepultado na capela de São José e lá permaneceu até que, em 1909, trinta anos depois de sua morte, seu cadáver foi exumado e o corpo encontrado intacto, tendo início, aí, o processo de sua beatificação. O relatório do primeiro exame pode ser lido abaixo:

“O caixão foi aberto na presença do Bispo de Nevers, do prefeito da cidade e seu principal representante, diversos clérigos e nós. Não sentimos cheiro algum. O corpo estava vestido com o hábito da ordem de Bernadette. O hábito estava úmido. Somente o rosto, mãos e antebraços estavam descobertos”.
A cabeça estava inclinada para a esquerda. O rosto branco e sem brilho. A pele presa aos músculos e os músculos grudados aos ossos. As órbitas dos olhos estavam cobertas pelas pálpebras. As sobrancelhas estavam lisas na pele acima dos olhos. Os cílios da pálpebra direita estavam colados à pele. O nariz dilatado e enrugado. A boca estava ligeiramente aberta e podia-se ver que os dentes estavam todos no lugar. As mãos, cruzadas sobre o peito, estavam em perfeito estado, assim como as unhas, segurando um rosário enferrujado. As veias dos antebraços estavam destacadas. Tal como as mãos, os pés estavam enrugados e os dedos ainda intactos. Quando o hábito foi removido e o véu tirado da cabeça, o corpo inteiro pôde ser visto, rígido e retesado em todas as partes. Descobriu-se que o cabelo, que foi cortado curto, estava preso ao couro cabelo e este grudado ao crânio; que as orelhas estavam em perfeito estado de preservação; que o lado esquerdo do corpo estava ligeiramente mais alto do que o direito quando olhando do quadril para cima. O estômago tinha se contraído e estava retesado como o resto do corpo. O joelho esquerdo não estava tão largo quanto o direito. As costelas realçadas assim como os músculos dos membros. O corpo estava tão rígido que se podia revirá-lo para ser lavado. As partes inferiores do corpo tornaram-se ligeiramente negras, o que parece ter sido resultado da alta quantidade de carbono presente no túmulo.

Testemunhamos que esta presente declaração foi devidamente elaborada por nós mesmos e que tudo foi verdadeiramente registrado.”

Nevers, 22 de Setembro de 1909.
Drs. C. David e A. Jourdan.

O corpo de Bernadette foi exumado pela segunda vez em 1919, e uma terceira vez em 1925, quando foi canonizada. Seu corpo então foi colocado num esquife de vidro e transferido para a capela da igreja de São Gildard, no convento de Nevers, onde pode ser visto desde 03 de Agosto de 1925. As Irmãs de Caridade e Instrução Cristã de Nevers não fazem segredo sobre o corpo de Bernadette. Pelo contrário, dão boas vindas aos visitantes e os incentivam a que aprendam sobre a vida de exemplo e sobre as mensagens de sua irmã Santa.