por Delano Mothé
Onde é que está o raio da linha divisória
que decepa meu arbítrio e preserva o do outro?
Se a reciprocidade é verdadeira,
qual o lado que me cabe neste cabo de guerra?
Preserva-se hoje o que se dispensa amanhã,
e o vice-versa também se faz corrente.
Cada lado se mostra diferentemente:
ora sou um; ora, outro.
E do lado de lá da linha?
em que se agarra e de que se abre mão?…
Do pequeno vão onde se acomodara minha liberdade,
só via o que me convinha.
O mundo me abrigava no colo e me contava historinhas minhas.
Fui despejado em campo aberto,
vasto demais p’ra desavisadas asas.
Mas me permitam o excesso sem licenças:
cada qual que voe mais longe…
deixem os limites para os caramujos
e as medidas para dentro das trenas.
O coração não reconhece as linhas restritivas da razão
e delas não precisa,
pois voa livre, acompanhado do bem.
Se algum sinal é ultrapassado,
é sinal de que ultra-passado ele é
e de fato já não existe,
e porque tanto persiste
é que o amor investe,
sem norte, sul, leste ou oeste.
Quero todos os lados neste cabo de guerra,
mas sem apegos ou demarcações,
apenas girar numa ciranda,
como farol luzindo em todas as direções.
Também nada quero reter.
Se nem a mim me tenho,
se “ser” soa tão definitivo,
enquanto viver são “estares-surpresas”,
agarrar o quê?
Este poema também não quer rédeas,
quer terminar em aberto
como o coração que o concebeu,
numa ode à livre consciência,
aqui, assim…
(Poema originalmente composto em janeiro de 1998, em sua versão atualizada de março de 2010, conforme nova visão de mundo, proporcionada pelo Instituto Salto Quântico.)